terça-feira, 15 de março de 2011

Deixa eu pintar o meu nariz.


Era fim de tarde caótico na entrada das cinzas carnavalescas. O caos presente na rotina dos últimos foliões dava as boas vindas na entrada do prédio.

Alguém cantando pela rua, outros vestidos de mulher - estranho fetiche resguardado pra esta época, outras dançavam até o chão, quase limpando com a saia os confetes que pareciam toalhas estendidas pela farra que se mostrava resistente ao término.

Ela aguardava o elevador descer , enquanto eu abria a porta do hall de entrada, trazendo o vento e derrubando o bilhete que avisava sobre o elevador desativado devido aos últimos "sambas" dançados dentro do mesmo. Pisei no papel e mostrei a marca da minha sola em cima do recado: Sem elevador até o dia seguinte.

A alternativa estava desenhada à esquerda, mostrando um caminho difícil pela frente, passos cansados e a folia que havia tomado até a ultima gota de vigor que havia naqueles corpos. Mas não havia outra saída, a não ser que quisessemos voltar à rua e desfilar em meio ao bloco que entoava o estranho refrão carnavalesco em uníssono pela rua Pindorama à fora: Segura no Bagre! 

Rimos e em acordo instantâneo decidimos pela escada.

Nossa proximidade era incontida fora da caixa de aço, inevitável o passo sincronizado pelas escadas acima. Um trio corria pela rua sentido à praia, enquanto nosso caminho era sentido contrário. Sem passos ensaiados para economizar fôlego. Inevitável começar aquela conversa.

_Que dia parao elevador quebrar...
_É q você é nova por aqui, sempre quebra.
_Não sou...achei q você fosse...

Falamos assim, com quase a mesma sincronia dos passos. O cansaço apertou as mãos no mesmo momento. Sorriso suado.

_Ufa, quinto andar. Parou? Chegou? Não. Cansei. Vamos sentar?

Sentei esperando ela.

A nuca suava molhando a ponta dos cabelos loiros, os braços deixavam os pingos correrem até caírem pela ponta dos dedos. Seus olhos sorriam com um certo devaneio, pareciam felizes, torci que fosse pelo encontro, mas provavelmente o Carnaval era o responsável.

Ironia. Subimos de escada toda aquela ironia. O vento que decidiu brincar de Carnaval com o bilhete de aviso, não se dava o trabalho de subir todos aqueles degraus para um sopro qualquer.

_É sempre no ultimo dia que encontramos as pessoas mais legais.
_É sim, mas nem acabou ainda.
_Ainda não, mas poderia ter rolado antes.
_Iria te encontrar de qualquer jeito. Sabe como é, já ouviu aquela? "O acaso é amigo".

Disse com desdém, quase apontando na folia do Carnaval a desculpa de poder falar o que viesse no instante embriagado pelo cansaço dos degraus.
E riu, querendo me mostrar que conhecia uns tais Los Hermanos, barbudos cantores de musicas melódicas, que eu, figura carnavalesca com flores de havaianos nos ombros, pés descalços e bermuda tactel nem deveria conhecer.

Mal sabia ela que sou tão moldado para o carnaval quanto meu cachorro Zé é para um concerto de ópera.
O acaso é amigo.

Subimos juntos os nove andares dela. Desci mais dois, pra chegar no meu, o sétimo. Fiquei no intervalo das escadas sentindo o rastro do perfume dela que ainda se apoiava na parede. Quase flutuei fechando os olhos e ouvindo lá embaixo os foliões com a estravagante "Segura no Bagre".

Imaginei os tais barbudos hermanos cantando isso em tom melódico quase triste, e ri sozinho.

Coloquei a mão no bolso e olhei o papel com um numero e o nome dela.
Se todo carnaval tem seu fim, ainda era hora de eu brincar de ser feliz.

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