quarta-feira, 8 de junho de 2011

Borboletas das pernas dela no meu estômago.


Da festa só o que sobrou foi a tatuagem na coxa. Dela. Colorida, bonita como uma borboleta tem que ser.

Lembro que era um sábado ruim, daqueles que vc fica triste por saber que a cia do seu cachorro é tediosa. Companheiro de um sábado que mais parece uma noite de quarta-feira sem futebol.

O colchão jogado na sala misturava o edredon e os lençóis que escondiam o focinho do Zé. 
Esquecido perto do osso de plástico, o telefone de bruços no chão, sonolento.

De repente a mensagem faz vibrar o aparelho e mexe o osso de lado. O Zé se assusta e pula em cima calando o toque enjoativo que acorda o aparelho e grita em uma mensagem: Festa em Pedro de Toledo! Bora?

BORA! Respondi em caixa alta,para o dono da mensagem. 
As cervejas na geladeira e uma garrafa de Margarita praticamente davam o passe livre para a festa que exigia algo para beber.
O Zé me olhou de lado enquanto eu saía pela sala,  fiquei com dó, mas ele nem deu bola, procurando o conforto do edredon quentinho.

Saí com o carro pra pegar uma hora e meia de estrada. Fiquei o caminho todo imaginando Pedro de Toledo como um grande sítio aberto com indícios de civilização - Um mercadinho na esquina com uma igreja no meio da praça e alguma balada num posto de gasolina - só poderia ser assim.

Errei. Não tinha igreja, nem posto, nem mercadinho. 
O local tinha dois ou três bares contornando uma praça no meio da cidade. 
A praça servia como uma espécie de bússola norteando os bairros. 
Do meio da praça dava até para enxergar melhor qual era o bar com maior movimento. 
Gostei da logística, logo, gostei de Pedro de Toledo.

Partimos rumo ao sítio, em um caminho forrado com o maior numero de estrelas que já vi. Vencemos as sinuosas curvas da estradinha marota. 
Árvores plantadas na escuridão chamavam ao abismo e na brincadeira pelo asfalto noturno, um deslize, e quase o mergulho do carro em meio ao desconhecido. 

_Ninguém aqui vai morrer novo, porra! 
Ninguém riu.

Susto passado, chegamos ao furdunço. Me animei. Meus companheiros desceram do carro e foram na frente. Preferi a tática de ficar no final da fila olhando as meninas que vinham nos cumprimentar e observar qual delas estaria mais animada.

Deu certo. Vi uma tatuagem andando na minha direção. Abracei ela, senti seu cheiro e fiquei com dó de me afastar. 
Arrisquei um beijo demorado pertinho da curva do sorriso.
_Prazer.



Me acompanhou descendo numa sincronia pelas escadas que davam ao jardim, onde rolava um dj tocando alguma coisa que não estava legal. Não lembro. Ela saiu de perto para cochichar com as amigas. Olhei pra todos em volta. Vi que a ansiedade de ser recebido tinha ganhado fôlego. Festas dão essa sensação. Ansiedade de ver quem chega, ansiedade de ver quem recebe.

Voltei para o hall de entrada e a vi novamente. 
Agora ganhava um rosto. Até falava. Se aproximou de mim pousada na coxa. Asas abertas pra dar sorte. Sorri pra sorte, sorri pra borboleta. Sorri pra ela. Abracei ela. Borboletas tem um cheiro ótimo. São doces. Dá vontade de pousar junto. Nela. Na coxa dela. Ai, ai, borboleta... Pensei na ansiedade de quem recebe. Sorri. Por mim a festa ficava por ali mesmo, na sala vazia, com ela e sua borboleta encoxada. Delícia.

Festa ruim. Delicia de cia. Morram vocês todos encostados aí nessa mureta olhando pro mato. Que se foda esse sítio.

Morreram mesmo num silencioso tédio. Decidiram partir. Se vingaram. 
_É cedo ainda - argumentei com força. 
 Ninguém me ouviu. Filhos da puta. 
Olhei pra ela, ali, com uma garrafinha na mão rindo na minha direção. Borboleta. Delicia de borboleta com gosto de cerveja. Ai, ai...


Olhei para os meus amigos que agora já dirigiam-se à porta de entrada, que também era a de saída.
Fui voto vencido. 

Encostei e anunciei a despedida. Dei meu msn e meu número. Ela anotou na palma da mão. Quase pedi pra anotar na coxa, perto da asa colorida. Linda borboleta, eu disse assim, quase emocionado. Ela sorriu abrindo as asas do sorriso. Linda.

Subimos de volta às estrelas. Tanta estrela me envolvendo e nem para aparecer uma cadente e resolver meu pedido.

Dei uma última olhada. Ela ainda ali sorrindo pra mim e apontando pra mão rabiscada. 
Ai, ai...

Voltamos à Toledo quase caindo no mato de novo. Ri da cara deles, mas por outro motivo. 
Chegamos com os bares fechados. Fim da linha na estação Pedro de Toledo.

Rumei de volta à Santos olhando o nada.
Na minha cabeça algo bate asa. Passeia pela boca, garganta e brinca no estômago. 
Borboletas no estômago. 
A viagem toda ficam ali voando de um lado para o outro. 
Ai, ai...