segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sinônimos Anônimos


Carlos foi convidado pelo amigo Fred a participar da reunião de Alcoólicos Anônimos que sempre acontece nas noites de terça.
Fred conheceu o grupo após passar por um curto trauma de divórcio. Assim como Carlos, não percebeu quando a falta de rotina sóbria havia impactado negativamente sua vida. 

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Lúcia é casada com Fred. Conheceu-o através de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, onde, após desabafos, interessaram-se um pela história do outro. Resolveram curar a cirrose do amor com doses de companheirismo.

Ambos conheciam Carlos e Ana e sabiam da má fase por qual passavam dois. O mesmo convite que Fred fez ao Carlos, Lúcia fez à Ana.

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Carlos e Ana entraram tinham em comum as desilusões amorosas. Ambos corriam na mesma estrada para superar os reveses. Na ânsia para superar suas desilusões, acabavam entrando na contramão da frustração.

Entregaram-se ao vício dos bares, esvaziando os copos para esvaziarem as dores. 

Carlos casou-se novamente. Ana tentava não colecionar novos pares.
Carlos renunciou ao casamento sem amor. Ana nunca quis insistir com alguém.

Tanta coincidência não era acaso. Conheciam-se da faculdade. O típico casal feliz. Cúmplices de tudo. 

Enfrentavam uma crise forte quando Carlos precisou trancar a faculdade por falta de grana. Ana insistiu no curso de jornalismo para ser parte da realização de Carlos.

Em certa noite em que os professores faltaram, Ana usou sua cópia para entrar no apartamento dele e esperar. Faria uma surpresa. 

Carlos, no entanto, tivera que viajar às pressas a trabalho. Pediu que sua vizinha ficasse com sua chave para trocar a água e colocar ração pro pequeno vira-lata, que havia adotado há pouco tempo com Ana.

Sempre morrendo de amores por Carlos, a vizinha aproveitou a situação para divagar semi-nua na cama do rapaz, e, assim, ter o cheiro do vizinho às suas ilusões.
Acabou caindo em sono profundo.

Ana entrou devagar no apartamento, foi recebida pelo vira-lata e, chegando no quarto, percebeu a silhueta diferente na cama do namorado. Acendeu a luz e deparou-se com a moça esticada nos lençóis.
Desesperou-se, mas resolveu que sairia da vida de Carlos, como havia se retirado do quarto: na ponta dos pés, sem fazer barulho e sem olhar para trás.

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Carlos, sem demora, notou o sumiço de Ana. Voltou de viagem e a procurou em inúmeros telefonemas, mensagens, e-mails e na saída da faculdade. Desesperou-se ao obter dela, a resposta sobre o sumiço: Ana mentiu um novo amor. Sem entender e cansado de argumentar, Carlos desistiu.

No dia seguinte, chegando ao trabalho, foi pego com mais uma surpresa: recebeu um convite para uma promoção profissional. Para isso precisava morar por alguns anos no exterior. Não refutou. Levou consigo suas roupas e o cachorro. Decidiu se afundar no trabalho para curar o término do namoro.

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Por orgulho, nunca mais se procuraram. Carlos casou-se e foi infeliz por alguns anos até pedir o divorcio. Ana virou uma jornalista mediana, pautando acontecimentos em um programa sensacionalista da TV. Foi demitida após a audiência se cansar.

Com tantas desilusões seguidas, o refugio para os dois foi a bebida.

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Anos depois, Carlos voltou à cidade onde morava, de onde Ana nunca havia se mudado.
Dizem que o acaso é o melhor amigo de quem enfrenta o destino com descaso.

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A reunião do grupo começou pontualmente às 19hs. Após os juramentos e textos de auto-ajuda, começaram as apresentações. Lúcia chegara atrasada com Ana, enquanto Carlos estava terminando de desabafar a desilusão amorosa no centro do circulo. Foi aplaudido e sentou-se pro mesmo lugar. Já era a terceira vez que comparecia à reunião.

Lúcia foi chamada ao centro do circulo. Sentiu-se envergonhada, mas logo começou o longo relato. Carlos, que, estava com o pensamento distante, olhava de relances para uma moça que falava sem parar no centro do circulo.

De súbito, teve uma sensação estranha. Olhou com mais atenção. Agora o rosto que deslocava frases sem parar, lhe parecia familiar.

Apesar de o tempo ter soprado a moldura dela, riscando no seu corpo alguns sinais inevitáveis, o tom de voz, a cor dos olhos e o sinal no canto do queixo lhe entregavam o nome da moça.
Era ela o motivo de inúmeras vezes embriagado, das tantas injeções de glicose, da presença dele ali, naquele lugar.
Ficou aflito. Pensou em ir embora. Mudou de idéia. Pensou em interromper o discurso da moça e debater os motivos para ser abandonado como fora. Queria apontar-lhe o dedo em riste, gritar palavrões salivados. Mudou de idéia.

Resolveu ir ao banheiro e lavar o rosto. Não conseguiu esfriar o calor da pele. Suava como um estivador, apesar da água corrente. Voltou somente instantes antes da reunião de encerramento. Procurou com os olhos a garota que havia chegado com a esposa de Fred. Perguntou delas e soube que precisaram ir mais cedo por conta de um mal estar da estreante.

A semana passou devagar, mas, enfim, a nova reunião chegou.

Carlos estava pontualmente no local como de costume. Quando foi convidado ao centro da reunião, pediu para ser o ultimo a dar relato.

Com meia hora de atraso, chegaram Lúcia e Ana.
Ana prontamente se dispôs a relatar o motivo que a havia levado ao vicio do álcool. Contou de forma rasa o que a levara ali: desilusão.

Carlos ouviu o relato da mulher, escondido num canto atrás do ventilador de parede, apoiado com o ombro em uma rachadura na parede amarela. Levantou. Seguiu rumo ao banheiro para lavar o rosto que suava em bicas naquela casa de forro cimentado e sem ventilação.
Não fechou a porta do banheiro. Na brecha da porta ouviu o agradecimento da companheira dando fim à apresentação. Conhecia bem aquela voz. Lembrava dos suspiros que desenhavam as sílabas despidas nos teus ouvidos.

Fechou os olhos e jogou água no rosto novamente. Desta vez, com mais raiva, como se quisesse acordar de mais uma de suas ressacas.

Quis ganhar tempo no banheiro, teve tiques nervosos. Era sempre assim, quando tenso, martelava a ponta do indicador num ritmo ansioso. 

Martelou a pia com a unha. Parecia querer furar um circulo na peça de porcelana. Desejava se metamorfosear com a peça do toalete, transformar-se num objeto de decoração imperceptível naquele banheiro minúsculo e escuro.

Batia com mais força a cada passo que Ana dava rumo ao pequeno cômodo. Carlos arrancou uma lasca da pia e viu o dedo sangrar. Respingos caíram no tênis. Esgueirou o braço embaixo da torneira. Quando desceu a mão úmida para esfregar no calçado, respingos desceram pelo cotovelo manchando a camisa. Suspirou alto. Foi notado. Ouviu o ranger da porta devagar, enquanto o salto de Ana ecoava pelo assoalho, como um relógio que adianta os ponteiros antes de alarmar o despertador. 

Esta era a situação atual. Observava o ponteiro movido pelo salto da ex namorada alardear sua presença sem que pudesse desligá-lo.

"Desculpe, precisa de ajuda?" Perguntou com inocência ao ex-namorado, sem saber quem estava ali, abaixado, treinando um truque de desaparecimento.

Carlos virou-se e paralisou seus olhos na boca de Ana, que imóvel, não entregou a ultima sílaba de um sorriso despretensioso. Uma eternidade se arrastou pelo cômodo úmido trilhado pela água que caía da pia transbordada.
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E foi aí que tudo transbordou naquele instante. As salivas engasgaram as palavras e as lembranças e os olhos de Ana.