Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está ele, na sombra perdida pela luz, na poeira suspensa, na revolta da memória inconformada. Uma lembrança. Na solidão do domingo, lá vem ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos perdidos, que vida sem sentido... No teatro, no palco de história de amor, no cinema, na tela com beijos e risos, na TV, que inveja... Já tive um amor igual.
Onde ele se escondeu? E, pior, por que? Na insônia o amor cai como uma tonelada de lápide, e se eu tivesse feito diferente, se eu tivesse sido paciente, e se eu tivesse insistido, suportado, indicado, transformado, reagido, escutado, abraçado? Seu choro, no meu ombro, foi tão recusado. Na sorveteria, ele volta, o amor em lembrança. Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura era a preferida dela, aquela sorveteria era a preferida dela, assim como aquela esquina, aquele bairro, aquele clima, aquela lua, aquele mês, aquela temperatura, aquela raça de cachorro atravessando a rua, aquele programa de fim de tarde e aquele horário sem planos para noite. Ela adora ficar na cidade no feriado, torce para barreiras e pontes caírem, e ninguém voltar nunca mais. Uma cidade só pra ela, um bairro, aquela rua, a sorveteria. Aquele cachorro brincando com ela. E eu só pra ela. No elevador, quantas saudades daqueles segundos de silêncio, presos na caixa blindada, vigiados por câmeras camufladas, loucos para se agarrar e, rirem, apertarem todos os botões, tirarem a roupa, escreverem ao lado do Atrasado: "Eu te amo". Saudades é amor. Não se tem saudades do que não se ama. Ou amou.
O amor não acaba, porque eu tenho saudades, me lembro dela todos os dias, me preocupo com ela, torço por ela, e se sonho com ela, meu dia está feito. O amor não pode acabar, porque sem ela ou sem a esperança de revê-la, até a chance de tê-la de volta, minha guerra não tem fim. Ela é uma trégua na minha guerra pessoal contra minha paixão por ela. Amá-la me faz bem. Mesmo que ela não me ame. Amo amá-la. Continuei amando desde o dia em que terminou. Passei meses amando como se não tivesse acabado. Ficaria anos amando mesmo se não tivesse voltado.
O amor não acaba, muda. O amor não será, é. O amor está. Foi. Nas tantas músicas que ouvimos juntos, que dançamos colados, trilhas das noites frias em que você sentava em mim nua, enquanto meus braços imobilizavam os seus. Amor. O não-amor é vazio. O antiamor também é amor. Nas minhas mãos frias aquecidas pelas suas. Eu te amava quando você respirava no meu ouvido. Amo-te, amo-te, amo-te. Suor naquele instante secreto, quando sua boca incha, seus olhos apertam, suas unhas me arranham e você diz, com tanta verdade: Eu te amo!
O amor acabou quando você se foi? Fala a verdade... Vocês sentiu saudades das minhas paredes, das cores das minhas camisas, da umidade da minha boca, do cheirinho do meu travesseiro, da minha torrada com mel, do meu endereço, das tantas noites pelados assistindo á televisão, dos vinhos entornados no lençol e pelo chão, de café da manhã com jornal, do lanche improvisado, você sentiu falta de atravessar a avenida comigo de mãos dadas, de correr da chuva, de eu te indicar aquele livro, do cinema gelado em que vimos aquele filme sem fim, torcendo para acabar logo e ficarmos a sós, você sentiu falta da minha risada, da minha inconveniência, da minha mancha, de eu ser seu amante, seu noivo, seu amigo e marido, dos meus olhos te espiando, dos meus dentes te mordendo e mastigando, ficou tanto tempo longe de mim e pensou em nós todas as madrugadas, especialmente bêbada e louca, queria me ligar, me escrever, meu cheiro aparecia de repente, meu vulto estava sempre ali presente, acaba? Diz que acaba.
Como acaba? Não acaba. Repete. Falei. Não acaba. Pode virar amor não correspondido. Pode ser amor com ódio, paixão com amor. Pode vir em muitas embalagens e tamanhos. Só tenho uma certeza. Tem o amor e o nada. Ah, mais uma coisa. Antes que eu me esqueça. O amor não acaba. Vira. Sorry. Se acabar, não é amor."